Estudemos primeiramente o procedimento que
deve adotar aquele que, em uma prova,
receber
dois ou mais textos a partir dos quais tenha de fazer sua dissertação. Existem
três
possibilidades:
textos em prosa, textos em verso, ou um poema e um texto em prosa.
Independentemente dessa variação, o procedimento, nos três casos, é o mesmo.
De início você deve ler cada um dos textos
atentamente. Em separado, procure deter- minar o conteúdo básico de cada texto.
Em seguida, associe estes dois conteúdos de modo a encontrar um conteúdo básico
comum aos dois textos. Como fazer isso'? Basta perceber algo que os textos tenham
em comum, analisando suas ideias centrais. Este é o
passo
inicial. Vejamos como isso pode ser feito em relação aos seguintes textos.
Inicialmente você lerá um poema de Manuel Bandeira:
Versos de Natal
Espelho,amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas, Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre
do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até ao fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem, O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do
Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.
|
Como podemos observar, na primeira estrofe, o poema mostra uma pessoa
idosa, em
frente ao espelho, percebendo sua idade já avançada. Entretanto, na segunda estrofe
e-
xiste a ideia de que o espelho só reflete a matéria
daquele homem senil. Caso o espelho
pudesse refletir o que vai na alma deste homem, veria, na verdade, uma criança com to-das as suas características e aspirações, ou seja, a
criança que o sustenta, que é a sua base. Em resumo, o poema afirma que, por trás da aparência senil de um homem, vive ainda o menino que ele foi.
Agora leia este poema de Luís Vaz de
Camões:
Soneto
Mudam-se
os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo
o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente
vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do
mal ficam as mágoas na lembrança,
E do
bem, se algum houve, as saudades ..
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro
o doce canto.
E, afora este mudar-se
cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto, Que não se muda já como soía *. |
Todo o poema pode ser entendido da seguinte forma: com o passar do tempo, todas
as coisas vão sofrendo transformações. Esta é a ideia geral do poema e a síntese das
duas primeiras estrofes. Na terceira estrofe. o poema fala da transformação do "canto"
alegre em choro, numa alusão à mudança de estado de espírito do
"eu poético" que,
com o passar do tempo perde seu "doce canto". Na última estrofe, existe a afirmação
de que as próprias mudanças não ocorrem da mesma forma, mesmo quando se repe-
tem modificações em circunstâncias semelhantes. Assim, o poema pode ser interpreta-
do como uma constatação das várias consequências da passagem do tempo, ou seja,
das profundas modificações que o passar do tempo provoc
Desta vez você lerá um trecho do livro de Eclesiastes (capítulo 3: versículos de 1
a 7) retirado da Bíblia:
"3 1Todas
as coisas têm seu tempo, e todas elas
passam debaixo do céu
segundo o termo que
a cada uma foi prescrito. 2Há tempo de nascer, e
tempo de morrer. Há tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou. :3Há
tempo de matar, e tempo de sarar. Há tempo de destruir. e tempo de edificar. 4Há tempo de chorar, e tempo de rir. Há tempo de se afligir, e tempo de saltar de gosto. 5Há tempo de espalhar abraços. e tempo
de se pôr longe deles. 6Há tempo de adquirir, e
tempo de perder. Há tempo de guardar, e
tempo de lançar fora. 7Há
tempo de rasgar, e tempo de
coser. Há tempo de falar, e tempo de
calar."
|
O texto bíblico afirma. como facilmente se percebe, que para tudo há um tempo certo. Destes versículos podemos inferir que o homem deve possuir a sabedoria de fazer cada coisa em seu tempo apropriado. O texto, formado com base em antíteses , reafirma que, ao longo da existência, ele encontrará ocasiões oportunas para ter os comportamentos mais diferenciados. Em síntese: para cada coisa há um tempo adequado.
Agora você já tem os três textos, seguidos de uma análise sintética de seu conteúdo. O próximo passo para chegar até a dissertação é procurar um conteúdo básico comum aos três textos. Assim poderíamos formulá-los:
O tempo
passa, provocando grandes modificações, transformando a realidade. No transcorrer
da vida há ocasiões adequadas para determinados procedimentos, para certas ações.
Todavia, apesar do
tempo conduzirnos fatalmente 'para o
envelhecimento, no fundo de cada ser humano existem características da infância que, de uma forma ou de outra, insistem em permanecer, em
cada um de nós.
A partir deste conteúdo básico, podemos perfeitamente elaborar um tema:
TEMA
O transcorrer do
tempo provoca, em cada ser humano, grandes
transformações, que estabelecem etapas bastantes diferenciadas;
entretanto, certas características da infância persistem no âmago
de cada um
de nós.
Para a abordagem deste tema optamos pela técnica básica de dissertação. Aplican-
do esta técnica. podemos agora elaborar nossa composição:
O TEMPO DE TODOS
OS TEMPOS
Ao longo de nossa vida, profundas são as transformações
que sofremos pela passagem do tempo. Estas modificações dividem nossas vidas em épocas bem distintas, durante as quais
devemos assumir comportamentos muito diferenciados. Entretanto, a infância, de
algum modo, consegue
acompanhar-nos por toda a nossa existência, seja pela importância que tem na formação da personalidade, seja pelas
características desta fase tantas vezes evidenciada em nosso comportamento.
Algumas correntes
psicanalíticas afirmam categoricamente que os primeiros anos de
nossas
vidas, as experiências pelas quais passamos, são
fatores determinantes de muitos dos nossos comportamentos
na juventude e fase adulta. Acredita-se que o caráter e a personalidade formam-se nos primeiros anos que vivemos.
Cada etapa de nossa
existência tem suas características e, em cada tempo, cabem os comportamentos
compatíveis com a idade de cada um. Existe
algo mais próximo do ridículo do que uma senhora de idade
avançada usar vestimentas ou adornos típicos dos pré-adolescentes?
Porém, por mais que tentemos
adequar o que se usa ou o que se
faz à faixa etária correspondente, cada um de nós, em maior ou
menor grau, conserva características infantis, muitas vezes
evidenciadas em certas situações: o adolescente que não quer assumir seu crescimento: os pais
que se divertem com os brinquedos de seus fi-lhos, os adultos que diante de algum
problema dizem "brincando": "Eu quero a minha mãe".
Assim, parece-nos correta a impressão
de que, no fundo, sejamos, de fato, crianças. E é até bom que
isso ocorra, pois, talvez, valorizando os principais atributos
da criança: a bondade, a ausência absoluta de preconceito, a espontaneidade,
a curiosidade e alegria em descobrir coisas novas, possamos reformular alguns de
nossos conceitos e construir uma sociedade na qual, como
afirmou o poeta, "o menino" seja o suporte do "homem".
I'
OBSERVAÇÃO:
Note como foi feita a associação do
conteúdo básico comum com um aspecto da nossa realidade.Ela se deu no
exato momento em que partimos para uma generalização do poema de Manuel Bandeira. A situação particularizada do
"eu poético em afirmàr-se criança,
embora idoso, permitiu a
associação com esse aspecto dos seres humanos em geral.
Por fim. vejamos as
etapas por que passamos:
1. Compreensão
do conteúdo básico de cada um dos três textos separadamente.
2. Determinação do
conteúdo básico comum.
3. Associação do
conteúdo a algum aspecto da realidade.
4.Formulação de
um tema dissertativo.
5. Aplicação de uma das técnicas.
6. Elaboração de uma dissertação.
|
Como você já deve ter notado. estas etapas podem ser utilizadas para qualquer situação
em que se necessite associar textos para,depois, elaborar uma dissertação.
EXERCÍCIOS
Elabore dissertações a partir da associação dos seguintes textos, depois de esco-lher um ou dois dentre os itens apresentados:
I. a) "A esperança é o único patrimônio dos deserdados e a ela recorrem as
nações ao ressurgirem de seus desastres históricos."
b) Pedro pedreiro
(fragmento)
Pedro pedreiro está esperando a morte,
ou esperando o dia de voltar pro Norte.
Pedro não sabe, mas talvez no fundo
espere alguma coisa mais linda que o mundo,
maior do que o mar.
Mas pra que sonhar se dá
o desespero de esperar demais,
Pedro pedreiro quer voltar atrás,
Quer ser pedreiro, pobre e nada mais, sem ficar
Esperando, esperando, esperando,
esperando o sol,
esperando o trem,
esperando o aumento
para o mês que vem,
esperando um filho,
pra
esperar também.
Esperando
a festa,
esperando
a sorte,
esperando a
morte,
esperando o
norte.
Esperando o
dia
de esperar
ninguém.
Esperando
enfim
nada
mais além
que a
esperança aflita, bendita, infinita
do apito de um
trem.
(Chico Buarque de Holanda)
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2. a) HAI-KAI
Frankestein
não esquece
Foi operado
No INPS.
(Millôr Fernandes)
b) "O estudo do
buraco de uma proteína com forma de rosquinha deu uma importante contribuição
para o desenvolvimento em um futuro próximo do sangue
artificial, um objetivo que a medicina persegue há séculos, e com mais
premência agora. O produto eliminaria a contaminação dos
bancos de sangue com doenças ( ... )"
c)Psicologia de um vencido
(fragmento)
Eu, filho do carbono e do
amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente
hipocondríaco,
Este
ambiente me causa repugnância ...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia,
Que escapa da boca de um cardíaco.
(Augusto dos Anjos)
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3.
a)”Em toda discussão há três pontos de
vista: o meu, o seu e o correto.”
(Provérbio chinês)
b) "Não é preciso
ser filósofo para ter ideias. A diferença é que o filósofo procura construir,
através do estudo e da reflexão, um sistema mais ou menos coerente
de ideias para, a partir dele, interpretar e criticar a realidade. A
maioria das pessoas, no entanto, vai formando seu conjunto de ideias sem
muita reflexão. Esse conjunto de ideias recebe o nome de ideologia. Todos
nós temos a nossa ideologia, mas de
maneira geral não temos consciência disso. Julgamos
que nossas ideias refletem sempre a realidade. Não nos damos conta de que muitas dessas ideias foram
colocadas em nossa cabeça pela educação familiar, pela escola, televisão, jornais, moda, cinema,
etc."
(PILETTI. Claudino. Filosofia
da educação. 2. ed. São Paulo. Ed. Ática, 1991)