Pode acontecer, em uma prova de redação, que
um poema seja fornecido para que você, baseando-se nele, elabore uma
dissertação. O primeiro passo é ler algumas vezes
o
poema para com ele familiarizar-se. Em seguida, você deve ler atentamente cada
es- trofe, na tentativa de compreender a sua ideia básica. Assim que conseguir
entender o significado de cada estrofe, reúna as ideias para perceber o
conteúdo central do poema, agora visto como um todo. Este procedimento leva-o a
extrair o que poderíamos chamar de mensagem do poema. Não fique
demasiadamente preocupado, caso não conheça o significado de algumas palavras,
pois, na maioria dos casos, é perfeitamente possível compreender o conteúdo básico
do poema, ou seja, sua ideia central.
Observe como faremos agora a análise e interpretação
do poema Mar portuguez ,de Fernando
Pessoa:
Mar
portuguez *
Ó mar salgado,
quanto do teu sal
São
lágrimas de Portugal!
Por te
cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão
resaram!
Quantas
noivas ficaram por casar
Para que fosses
nosso, ó mar!
Valeu a pena?
Tudo vale a pena
Se a alma não é
pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar
além da dor.
Deus ao mar o
perigo e o abysmo deu,
Mas nelle é que
espelhou o céu.
* Obs.: Neste poema,
Fernando Pessoa usou deliberadamente a grafia arcaica de algumas palavras
Agora tentemos entender o significado
deste poema. A primeira estrofe fala-nos da época dos grandes descobrimentos,
quando muitas caravelas saíam em busca de novas terras, ou para estabelecerem
relações comerciais com lugares longínquos. Dada a pre-cariedade das caravelas
para viajarem grandes distâncias e dos limitados instrumentos de navegação.
além dos perigos do mar, muitos dos que partiram nunca retornaram. Nesla
estrofe. o poema refere-se à dor, ao sofrimento daqueles que perderam seus filhos,
pais, noivos e também seus amigos, pelos quais choraram. Ainda, na mesma estrofe,
afirma que a conquista do mar (e consequentemente das novas terras) só foi alcançada
pelo sacrifício feito pelos navegadores e pelos amigos e parentes daqueles que não
voltaram.
Na segunda estrofe, o poeta reflete
acerca desse sacrifício. de tamanha dor e pergun-
ta
se todo esse empreendimento foi válido. para, depois, afirmar a sua validade.
Para o poeta, todas as experiências por que passamos, inclusive as extremamente
dolorosas, são válidas. Todas essas experiências fazem o ser humano evoluir,
desenvolver-se, fortalecer-se, aumentando sua força interior, sua capacidade de
melhor compreender o sofrimento dos seus semelhantes. O poema, em seus dois
últimos versos, ao colocar que o mar reúne, ao mesmo tempo, o perigo, o abismo
e também a beleza, o esplendor da cor do céu, compara o mar à vida, que reúne
alegrias e tristezas.
Unindo as ideias das duas estrofes,
concluímos que o significado central do poema
é
o de registrar que o sacrifício ,a dor, por que passou a nação portuguesa para
con- quistar os mares, valeu a pena, pois mesmo as experiências dolorosas
contribuem para o crescimento interior do ser humano. Além do mais, a alegria e
o sofrimento compõem uma unidade indissociável na vida humana, que alterna
períodos de felicidade e de dor.
O próximo passo, depois de determinado o
conteúdo básico do poema, é o de tentar associar
este conteúdo a alguma circunstância de nossa realidade nacional ou mundial.
Há várias circunstâncias que poderiam ser associadas a este poema, mas aquela que,
no momento. nos ocorre é a de falar sobre o sacrifício feito pela nação brasileira
em sua caminhada rumo à redemocratização e consolidação das instituições, nos
últimos anos.
Antes
de prosseguirmos, mostrando a etapa subsequente, convém fazer algumas con-
siderações.
No caso específico deste poema, resolvemos associar o conteúdo básico a um
determinado aspecto de nossa realidade nacional. Entretanto é preciso perceber que,
conforme o conteúdo de cada poema que lhe for apresentado como base para sua dissertação,
você pode associá-lo a algum aspecto ele caráter mundial, certa característica
própria da natureza humana. ou até mesmo a alguma habilidade específica do
homem. como, por exemplo. o ato da criação artística. Também é importante
ressaltar que, sempre que possível, o conteúdo básico do poema deve ser
associado a algum aspecto de nossa realidade próxima, enfocando assuntos que
frequentemente são alvos de matérias jornalísticas, pois isso imprime um cunho
de atualidade na escolha do assunto a ser desenvolvido na dissertação.
O
próximo passo é a elaboração de um tema
que nasce da associação entre o con-
teúdo
básico do poema com o aspecto de nossa realidade nacional. mencionado ante- riormente.
Uma das possibilidades seria a de elaborar o seguinte tema:
.
TEMA
Não são poucos os sacrifícios impostos à nação
brasileira, nos últimos anos, em sua
caminhada rumo à liberdade e à consolidação das
instituições democráticas.
Agora que já elaboramos o tema, devemos
escolher uma das técnicas dissertativas que aprendemos nas postagens anteriores
e aplicá-Ia. Optamos pela técnica básica de dis-
sertação.
Com o tema já pronto e a técnica escolhida. passemos à redação.
. Além da dor
Difíceis, sacrificados, penosos. Isso é o
mínimo que podemos dizer destes últimos anos em que o povo, saindo do regime de
exceção, percorre a árdua trajetória na reconquista da liberdade e da consolidação
das instituições democráticas.
Ninguém
pode negar que hoje vivemos em plena liberdade. Todo e qualquer cidadão tem a
possibilidade de expressar-se sobre os assuntos de seu interesse e inexiste a
censura nos espetáculos artísticos e meios de comunicação. Entretanto, para que
chegássemos a viver respirando liberdade, foi necessário um reaprendizado,
durante o período de transição democrática, no qual o cidadão confundia frequentemente
a liberdade com a crítica irresponsável e desprovida de qualquer fundamentação.
A liberdade associada à responsabilidade é uma conquista que ainda está por ser
completamente alcançada.
Vítima do despreparo de nossos
governantes, no que se refere à planificação, à elaboração de diretrizes
viáveis e duradouras, nossa nação tem sido progressivamente esmagada por planos
econômicos mirabolantes e efêmeros, que instalam a desconfiança, a insegurança
em todos os setores produtivos da economia. Apesar d equívocos ou descasos dos
que detêm a responsabilidade de suprir as necessidades primordiais do povo,
nossas instituições solidificam-se a cada dia. O Congresso Nacional faz-se
presente nos momentos decisivos da nossa história, não obstante seus graves
problemas estruturais. E, além disso, os poderes Executivo e Judiciário nunca
antes trabalharam com tanta independência e relativa tranquilidade.
Assim, embora famintos em sua maioria, apreensivos
em sua quase totalidade, a nação aguarda, ora mais esperançosa, ora em
desalento, que o seu sacrifício diuturno além de garantir a liberdade e manter
as instituições, possa também ter valido a pena, no momento em que vir
garantido o direito de prover seu sustento com dignidade.
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Observe, no quadro abaixo, um resumo das
etapas que utilizamos até chegar à fase final, ou seja, à dissertação:
1.Compreensão do
conteúdo básico do poema.
2.Associação com
algum aspecto da realidade.
3.Formulação de um
tema dissertativo.
4.Aplicação de uma
das técnicas.
5.Elaboração de uma
dissertação .
|
.
Estas etapas que você acaba de ver podem
ser seguidas para a elaboração de uma dissertação a partir de qualquer poema
que lhe seja fornecido.
EXERCICIOS
Você pode escolher um dos poemas abaixo e, a
partir dele, elaborar uma dissertação. Ou até fazer uma sobre cada poema, se
quiser.
Motivo
Eu
canto porque o instante existe
e
a minha vida está completa.
Não
sou alegre nem sou triste:
sou
poeta.
Irmão
das coisas fugidias,
não
sinto gozo nem tormento.
Atravesso
noites e dias
no
vento.
Se
desmorono ou se edifico,
se
permaneço ou me desfaço,
-
não sei, não sei. Não sei se fico
ou
passo.
Sei
que canto. E a canção é tudo.
Tem
sangue eterno a asa ritmada.
E
um dia sei que estarei mudo:
-
mais nada.
(Cecilia Meireles)l
A rosa de Hiroxima
Pensem
nas crianças
Mudas
telepáticas
Pensem
nas meninas
Cegas, inexatas
Pensem
nas mulheres
Rotas
alteradas
Pensem
nas feridas
Como
rosas cálidas
Mas
oh não se esqueçam
Da
rosa da rosa
Da
rosa de Hiroxima
A
rosa hereditária
A
rosa radioativa
Estúpida
e inválida
A
rosa com cirrose
A
antí-rosa atômica
Sem
cor sem perfume
Sem
rosa sem nada
(Vinicius de Moraes)
Canto ao Homem do
Povo
Charlie Chaplin
(fragmento)
Era
preciso que um poeta brasileiro,
não
dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa,
girando
um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver
como
na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,
era
preciso que esse pequeno cantor teimoso,
de
ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior
onde
nem sempre se usa gravatas mas todos são extremamente polidos
e
a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia.
era
preciso que um antigo rapaz de vinte anos,
preso
à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersas
[no
tempo,
viesse
recompô-Ias e, homem maduro, te visitasse
para
dizer-te algumas coisas, sob colar de poema.
Para
dizer-te como os brasileiros te amam
e
que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece
com
qualquer gente do mundo - inclusive os pequenos judeus
de
bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,
vagabundos
que o mundo repeliu, mas zombam e vivem
nos
filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia,
e
vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor
como
um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído nq rua.
(
... )
Foi
bom que te calasses.
Meditavas
na sombra das chaves,
das
correntes, das roupas riscadas, das cercas de arame,
juntavas
palavras duras, pedras, cimento, bombas, invectivas,
anotavas
com lápis secreto a morte de mil, a boca sangrenta
de
mil, os braços cruzados de mil.
E
nada dizias. E um bolo, um engulho
formando-se.
E as palavras subindo.
Ó
palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo
Poder
da voz humana inventando novos vocábulos e dando sopro aos
[exaustos
Dignidade
da boca, aberta em ira justa; e amor profundo,
crispação
do ser humano, árvore irritada, contra a miséria e a fúria dos
[ditadores,
ó
Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa
[estrada
de pó e esperança.
(Carlos Drummond de Andrade)