quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A DISSERTAÇÃO BASEADA EM UM POEMA


    Pode acontecer, em uma prova de redação, que um poema seja fornecido para que você, baseando-se nele, elabore uma dissertação. O primeiro passo é ler algumas vezes
o poema para com ele familiarizar-se. Em seguida, você deve ler atentamente cada es- trofe, na tentativa de compreender a sua ideia básica. Assim que conseguir entender o significado de cada estrofe, reúna as ideias para perceber o conteúdo central do poema, agora visto como um todo. Este procedimento leva-o a extrair o que poderíamos chamar de mensagem do poema. Não fique demasiadamente preocupado, caso não conheça o significado de algumas palavras, pois, na maioria dos casos, é perfeitamente possível compreender o conteúdo básico do poema, ou seja, sua ideia central.
    Observe como faremos agora a análise e interpretação do poema Mar portuguez ,de Fernando Pessoa:

                                           Mar portuguez *

                               Ó mar salgado, quanto do teu sal
                               São lágrimas de Portugal!
                               Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
                               Quantos filhos em vão resaram!
                               Quantas noivas ficaram por casar
                               Para que fosses nosso, ó mar!

                               Valeu a pena? Tudo vale a pena
                               Se a alma não é pequena.
                               Quem quere passar além do Bojador
                               Tem que passar além da dor.
                               Deus ao mar o perigo e o abysmo deu,
                               Mas nelle é que espelhou o céu.

* Obs.: Neste poema, Fernando Pessoa usou deliberadamente a grafia arcaica de algumas palavras

       Agora tentemos entender o significado deste poema. A primeira estrofe fala-nos da época dos grandes descobrimentos, quando muitas caravelas saíam em busca de novas terras, ou para estabelecerem relações comerciais com lugares longínquos. Dada a pre-cariedade das caravelas para viajarem grandes distâncias e dos limitados instrumentos de navegação. além dos perigos do mar, muitos dos que partiram nunca retornaram. Nesla estrofe. o poema refere-se à dor, ao sofrimento daqueles que perderam seus filhos, pais, noivos e também seus amigos, pelos quais choraram. Ainda, na mesma estrofe, afirma que a conquista do mar (e consequentemente das novas terras) só foi alcançada pelo sacrifício feito pelos navegadores e pelos amigos e parentes daqueles que não voltaram.
      Na segunda estrofe, o poeta reflete acerca desse sacrifício. de tamanha dor e pergun-
ta se todo esse empreendimento foi válido. para, depois, afirmar a sua validade. Para o poeta, todas as experiências por que passamos, inclusive as extremamente dolorosas, são válidas. Todas essas experiências fazem o ser humano evoluir, desenvolver-se, fortalecer-se, aumentando sua força interior, sua capacidade de melhor compreender o sofrimento dos seus semelhantes. O poema, em seus dois últimos versos, ao colocar que o mar reúne, ao mesmo tempo, o perigo, o abismo e também a beleza, o esplendor da cor do céu, compara o mar à vida, que reúne alegrias e tristezas.
        Unindo as ideias das duas estrofes, concluímos que o significado central do poema
é o de registrar que o sacrifício ,a dor, por que passou a nação portuguesa para con- quistar os mares, valeu a pena, pois mesmo as experiências dolorosas contribuem para o crescimento interior do ser humano. Além do mais, a alegria e o sofrimento compõem uma unidade indissociável na vida humana, que alterna períodos de felicidade e de dor.
       O próximo passo, depois de determinado o conteúdo básico do poema, é o de tentar associar este conteúdo a alguma circunstância de nossa realidade nacional ou mundial. Há várias circunstâncias que poderiam ser associadas a este poema, mas aquela que, no momento. nos ocorre é a de falar sobre o sacrifício feito pela nação brasileira em sua caminhada rumo à redemocratização e consolidação das instituições, nos últimos anos.
     Antes de prosseguirmos, mostrando a etapa subsequente, convém fazer algumas con-
siderações. No caso específico deste poema, resolvemos associar o conteúdo básico a um determinado aspecto de nossa realidade nacional. Entretanto é preciso perceber que, conforme o conteúdo de cada poema que lhe for apresentado como base para sua dissertação, você pode associá-lo a algum aspecto ele caráter mundial, certa característica própria da natureza humana. ou até mesmo a alguma habilidade específica do homem. como, por exemplo. o ato da criação artística. Também é importante ressaltar que, sempre que possível, o conteúdo básico do poema deve ser associado a algum aspecto de nossa realidade próxima, enfocando assuntos que frequentemente são alvos de matérias jornalísticas, pois isso imprime um cunho de atualidade na escolha do assunto a ser desenvolvido na dissertação.
     O próximo passo é a elaboração de um tema que nasce da associação entre o con-
teúdo básico do poema com o aspecto de nossa realidade nacional. mencionado ante- riormente. Uma das possibilidades seria a de elaborar o seguinte tema:
.
     TEMA

     Não são poucos os sacrifícios impostos à nação brasileira,  nos últimos anos, em sua caminhada rumo à liberdade e à consolidação  das instituições democráticas.

        Agora que já elaboramos o tema, devemos escolher uma das técnicas dissertativas que aprendemos nas postagens anteriores e aplicá-Ia. Optamos pela técnica básica de dis-
sertação. Com o tema já pronto e a técnica escolhida. passemos à redação.


            .                                           Além da dor   

         Difíceis, sacrificados, penosos. Isso é o mínimo que podemos dizer destes últimos anos em que o povo, saindo do regime de exceção, percorre a árdua trajetória na reconquista da liberdade e da consolidação das instituições democráticas.
        Ninguém pode negar que hoje vivemos em plena liberdade. Todo e qualquer cidadão tem a possibilidade de expressar-se sobre os assuntos de seu interesse e inexiste a censura nos espetáculos artísticos e meios de comunicação. Entretanto, para que chegássemos a viver respirando liberdade, foi necessário um reaprendizado, durante o período de transição democrática, no qual o cidadão confundia frequentemente a liberdade com a crítica irresponsável e desprovida de qualquer fundamentação. A liberdade associada à responsabilidade é uma conquista que ainda está por ser completamente alcançada.
          Vítima do despreparo de nossos governantes, no que se refere à planificação, à elaboração de diretrizes viáveis e duradouras, nossa nação tem sido progressivamente esmagada por planos econômicos mirabolantes e efêmeros, que instalam a desconfiança, a insegurança em todos os setores produtivos da economia. Apesar d equívocos ou descasos dos que detêm a responsabilidade de suprir as necessidades primordiais do povo, nossas instituições solidificam-se a cada dia. O Congresso Nacional faz-se presente nos momentos decisivos da nossa história, não obstante seus graves problemas estruturais. E, além disso, os poderes Executivo e Judiciário nunca antes trabalharam com tanta independência e relativa tranquilidade.
      Assim, embora famintos em sua maioria, apreensivos em sua quase totalidade, a nação aguarda, ora mais esperançosa, ora em desalento, que o seu sacrifício diuturno além de garantir a liberdade e manter as instituições, possa também ter valido a pena, no momento em que vir garantido o direito de prover seu sustento com dignidade.

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     Observe, no quadro abaixo, um resumo das etapas que utilizamos até chegar à fase final, ou seja, à dissertação:

1.Compreensão do conteúdo básico do poema.
2.Associação com algum aspecto da realidade.
3.Formulação de um tema dissertativo.
4.Aplicação de uma das técnicas.
5.Elaboração de uma dissertação .
.
     Estas etapas que você acaba de ver podem ser seguidas para a elaboração de uma dissertação a partir de qualquer poema que lhe seja fornecido.

                                             EXERCICIOS

   Você pode escolher um dos poemas abaixo e, a partir dele, elaborar uma dissertação. Ou até fazer uma sobre cada poema, se quiser.

Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
                             (Cecilia  Meireles)l

A rosa de Hiroxima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas, inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antí-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada
                           (Vinicius de Moraes)


Canto ao Homem do Povo
Charlie Chaplin
(fragmento)

Era preciso que um poeta brasileiro,
não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa,

girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver
como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,


era preciso que esse pequeno cantor teimoso,
de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior
onde nem sempre se usa gravatas mas todos são extremamente polidos
e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia.

era preciso que um antigo rapaz de vinte anos,
preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersas
[no tempo,
viesse recompô-Ias e, homem maduro, te visitasse
para dizer-te algumas coisas, sob colar de poema.

Para dizer-te como os brasileiros te amam
e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece
com qualquer gente do mundo - inclusive os pequenos judeus
de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,

vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem

nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia,
e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor
como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído nq rua.

( ... )

Foi bom que te calasses.
Meditavas na sombra das chaves,
das correntes, das roupas riscadas, das cercas de arame,
juntavas palavras duras, pedras, cimento, bombas, invectivas,
anotavas com lápis secreto a morte de mil, a boca sangrenta
de mil, os braços cruzados de mil.

E nada dizias. E um bolo, um engulho
formando-se. E as palavras subindo.
Ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo
Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando sopro aos
[exaustos
Dignidade da boca, aberta em ira justa; e amor profundo,
crispação do ser humano, árvore irritada, contra a miséria e a fúria dos
[ditadores,
ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa

[estrada de pó e esperança.
                                            (Carlos  Drummond  de  Andrade)

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